Em uma sociedade marcada pela aceleração e pelo excesso de estímulos, o tempo de pausa torna-se não apenas desejável, mas necessário. Para crianças, adolescentes e educadores, o encerramento do ano letivo abre a possibilidade de desacelerar, reorganizar emoções e restaurar energias, condição fundamental para retornar ao novo ano com mais equilíbrio, presença e disponibilidade para aprender e ensinar.
Do ponto de vista do desenvolvimento infantil e juvenil, a ausência de pausas pode gerar impactos significativos. Segundo Márcia Schivitz, orientadora educacional do Colégio Anchieta, em Porto Alegre (RS), o acúmulo de atividades e estímulos ao longo do ano cobra um preço alto. “Vivemos em um mundo acelerado, cheio de informações, telas e compromissos. Essa rotina intensa não afeta apenas os adultos, nossas crianças e adolescentes também estão expostos a estímulos constantes, tanto no ambiente digital quanto no físico. Durante o ano letivo, observamos que, além das atividades escolares próprias da idade, muitos estudantes acumulam compromissos extracurriculares. Esse excesso frequentemente leva à exaustão, desinteresse pelas tarefas escolares, irritabilidade, sonolência, desregulação emocional e, em alguns casos, episódios de agressividade, agitação ou apatia”, analisa.
Ela destaca que, nas escolas jesuítas, a pausa é compreendida como parte do processo formativo, integrando dimensões cognitivas, emocionais e espirituais. “Nossos estudantes vivenciam em vários projetos pedagógicos momentos de pausas com exercícios de contemplação, contato com a natureza e sensibilização às diferentes realidades. As pausas promovem momentos de ordenar as emoções, imaginar, criar possibilidades de agir e pensar favorecendo a formação socioafetiva e espiritual religiosa. Santo Inácio já nos ensinava sobre isso, e estudos científicos reforçam essa necessidade. Byung-Chul Han, autor de A Sociedade do Cansaço, alerta para a importância da pausa e do tédio como caminhos para evoluir, criar e viver uma vida contemplativa”, contextualiza.
Essa compreensão encontra ressonância na perspectiva teológica e pastoral da formação integral. Para Tânia da Silva Mayer, coordenadora de Formação Cristã e Pastoral do Colégio Loyola, em Belo Horizonte (MG), a própria tradição judaico-cristã oferece uma chave profunda de leitura sobre o sentido do descanso. “A noção religiosa da pausa está intrinsecamente relacionada a uma perspectiva judaico-cristã do descanso após exigente trabalho. O povo de Deus descansa no sétimo dia por duas razões: porque foi escravizado no Egito e, agora, na qualidade de libertado pode gerir seu tempo; e porque o próprio Deus descansou da sua ação criadora, no sétimo dia. Aprendemos com essa teologia que o descanso e a pausa são ocasião oportuna para que o ser humano criado possa, na perspectiva de uma liberdade mais livre e, por essa razão, mais plena, reconhecer-se como parte da obra divina e se voltar para Deus, origem de toda vida”, reflete.
Segundo ela, essa experiência é essencial para a proposta de educação integral assumida pela Rede Jesuíta de Educação. “Como poderá uma pessoa compreender-se parte da criação, relacionada socialmente a tantos grupos, vivendo num mundo de crises e alegrias, se não tem espaço e tempo para se perceber como parte da vida imensa que Deus nos concede e nos convida a viver? O descanso e a pausa permitem que esse reconhecimento, não apenas cognitivo, mas também afetivo e espiritual, se torne uma oportunidade de encontro consigo, com os outros e com Deus”, ressalta.
Durante as férias, esse tempo desacelerado ganha ainda mais relevância. Para Márcia, permitir o tédio e a brincadeira espontânea é um fator decisivo no desenvolvimento. “As férias escolares são um momento propício para estimular brincadeiras espontâneas, sem tarefas muito estruturadas. Para as crianças, é essencial ter tempo livre, espaço e mínima interferência dos adultos, porém com a supervisão que oferece cuidado e proteção. Isso favorece a criatividade, a curiosidade e a exploração do ambiente, gerando aprendizagens significativas”, explica.
No retorno às aulas, os efeitos do descanso tornam-se visíveis. “É possível perceber que os estudantes que realizaram atividades como leituras leves, sono de qualidade, alimentação adequada, contato com os amigos e seus familiares, com a natureza, viagens e uma rotina mais leve, retornam às atividades escolares reabastecidos de experiências significativas, mais atentos, mais relaxados, com maior engajamento nas tarefas e maior equilíbrio emocional. O sucesso acadêmico começa com uma base sólida de saúde física e mental”, observa.
Na mesma linha, o psicólogo escolar e educacional da Escola Santo Afonso Rodriguez (Esar), em Teresina (PI), Francisco Bruno Paz Soares destaca que o período de descanso vai além da interrupção das atividades acadêmicas. “Esse intervalo não deve ser visto apenas como uma pausa das atividades escolares e acadêmicas, mas como um espaço de reconstrução emocional e relacional. Durante as férias, os estudantes têm a oportunidade de reduzir os níveis de estresse e ansiedade acumulados ao longo do ano letivo, favorecendo a regulação emocional e o equilíbrio interno”, explica.
Ele ressalta, ainda, o fortalecimento dos vínculos afetivos e da identidade pessoal. “O convívio mais próximo com familiares e amigos durante esse período reforça vínculos de confiança, pertencimento e autoestima, elementos indispensáveis para o bem-estar socioafetivo. Além disso, o tempo livre abre espaço para a criatividade e a expressão pessoal, permitindo que crianças e adolescentes explorem atividades artísticas, culturais ou esportivas que ajudam na elaboração de sentimentos e na construção da identidade”, pontua.











