O Dia Internacional da Mulher é uma data importante para refletirmos sobre os desafios e as conquistas das mulheres na sociedade brasileira, especialmente na educação. Ao longo de seus 135 anos, o Colégio Anchieta acompanhou essas transformações, promovendo mudanças significativas. No contexto de um sistema educacional que ainda separava meninos e meninas, o Anchieta deu um passo importante em 1963, ao admitir sua primeira docente: Carmen Rosa Brufato, professora regente do 4º ano do curso primário.

Naquele mesmo ano, a escola passou a realizar as atividades em um novo prédio, na avenida Nilo Peçanha, em Porto Alegre, com quatro turmas do primário (atual Ensino Fundamental 1, da 1ª a 5ª série), sob a responsabilidade das irmãs Bernardinas. Até então, o colégio era frequentado exclusivamente por estudantes do sexo masculino.

À época, os alunos estavam divididos entre o antigo prédio da escola, na rua Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre, que atendia cerca de 300 estudantes do Ensino Médio e do curso noturno gratuito, e os que frequentavam o novo prédio na Nilo Peçanha. Carmen lecionou no quarto ano do curso primário de março de 1963 a fevereiro de 1969. Em março do mesmo ano, passou a ensinar português para as 1ª e 2ª séries do Ginasial, onde permaneceu até dezembro de 1971.

As primeiras alunas

A grande mudança ocorreu em 1966, quando o Anchieta se tornou um colégio misto, recebendo suas primeiras alunas, entre elas, Ana Lúcia Mazzali, Elizabeth Lehnemann Tannhauser, Ivana Nora e Maria Christina Schmitt da Silva. Aos nove anos, Ana Lúcia ingressou na turma do 3º primário (atual 3ª série) no turno da manhã. Seu irmão, Sérgio Mazzali, já era aluno do colégio e, ao saber que meninas seriam aceitas, seu pai pediu que ele fizesse sua matrícula. Assim como Sérgio, o pai de Ana Lúcia e outro irmão, Luciano Mazzali, também estudaram no Anchieta.

Ingressar em um ambiente predominantemente masculino foi um desafio para Ana Lúcia: “Éramos cerca de dez meninas em uma turma cheia de meninos, mas depois fomos nos ambientando, conquistando nosso lugar, firmes, mas sem perder a doçura. Tenho amigos daquela época até hoje”. Ela recorda que apenas as aulas de ginástica eram separadas por sexo.

Ana Lúcia foi aluna de Carmen Rosa Brufato e menciona outras mulheres que marcaram sua trajetória na escola, como Rejane, responsável pela disciplina de História, e a Irmã Eliete, que tocava violão. Formada como tradutora e intérprete, além de ser professora de francês e alemão e bacharel em piano, ela conta que passou praticamente toda a sua vida no Anchieta.

“Tive toda a minha formação no colégio, não só educacional, mas também para a vida. Fiz amigos que tenho até hoje!”, destacando que realiza encontros com os ex-colegas a cada cinco anos e participa de um grupo no WhatsApp, onde mantém contato diariamente.

Aos 68 anos, Ana Lúcia ainda reside em Porto Alegre. Seguindo a tradição familiar, suas três filhas – Nina, Laura e Dora Mazzali – estudaram no Anchieta desde a pré-escola. “A filosofia do ensinar a pensar é a principal referência que temos e o que sempre motivou a nossa família a ser anchietana”.

 Assim como Ana Lúcia, Elizabeth Lehnemann Tannhauser iniciou os estudos no Anchieta em 1966, no 3º ano primário, mas no turno da tarde. Na sua turma eram apenas duas meninas. No entanto, isso nunca foi um problema para ela. “Sempre me dei bem com os meninos e fiz amizades que mantenho até hoje”.

Ela recorda que, até o 4º ano primário, meninos e meninas estudavam juntos e brincavam no recreio. No entanto, a partir do 5º ano, as turmas passaram a ser separadas por sexo. Todas as meninas estudavam em um prédio separado, que futuramente acolheria os estudantes da educação infantil. Quando chegaram ao 1º ano do ginásio, foram transferidas para o terceiro andar do prédio principal, ainda separadas dos meninos. Somente no 2º ano voltaram a integrar turmas mistas.

Hoje, aos 66 anos, a enfermeira aposentada mora em Torres, no Litoral Norte do RS, e ressalta que o Anchieta faz parte da história de sua família. Seus irmãos, Carlos Francisco e Cláudia Lehnemann Tannhauser, estudaram na escola. Seu primeiro marido foi colega de seu irmão, e seus dois filhos, Ricardo e Ana Luiza Tannhauser Santana, também foram alunos do colégio. Curiosamente, seu atual companheiro também é anchietano.

“Eu e meu marido sempre participamos dos reencontros do Anchieta. Neste ano, estaremos presentes na festa dos 50 anos da turma, em outubro. O colégio me deu um suporte educacional excelente, tanto que passei no vestibular de primeira – e meus filhos também!”.

Maria Christina Schmitt da Silva também ingressou no Colégio Anchieta em 1966, aos oito anos, no 2º ano primário. Seu irmão, Eduardo Schmitt da Silva, já estudava na escola, e seus pais a matricularam quando a instituição se tornou mista. “Nossa turma tinha poucas meninas e eu adorava brincar com os meninos no recreio”, relata.

Durante o ginásio, teve Carmen Brufato como professora de Língua Portuguesa no 1º e 2º anos, experiência que considera marcante. “Aprendi muito com ela. Graças a isso, sempre tive boas notas no vestibular e em concursos públicos”. Apesar de ter se formado em Arquitetura, Maria Christina optou por seguir a estabilidade do serviço público e foi aprovada em um concurso para o Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde fez carreira até se aposentar.

Maria Christina segue morando na capital gaúcha e namora um ex-colega anchietano há 17 anos. “O Anchieta foi fundamental na formação dos valores que carrego para a vida e nas amizades que mantenho até hoje”. Uma de suas lembranças da infância na escola foram os testes que fez para ser bailarina do coral dos meninos. “Fui aprovada na seleção, mas meu pai não permitiu que eu acompanhasse o grupo porque teria que viajar para apresentações em outras cidades”.

Já Ivana Nora teve uma trajetória diferente: fez parte do primeiro grupo de meninas bailarinas do coral do Anchieta. Vinda de uma família numerosa, com cinco filhos — além dela, Ivo, Iviane, Ivandro e Ivan —, recorda-se com carinho do dia em que seu pai chegou em casa e anunciou com entusiasmo: “Vocês vão estudar no melhor colégio de Porto Alegre!”.

Ao iniciar os estudos no 2º ano primário, foi surpreendida ao perceber a predominância masculina na turma. “Éramos apenas eu e a Paula Sperb em uma sala cheia de meninos. Ficamos encabuladas no início, mas logo nos tornamos grandes amigas e essa amizade dura até hoje.”

Entre as recordações que guarda com carinho estão a diferença expressiva entre o número de meninos e meninas no recreio, o pátio com mesas de pingue-pongue, o bar da escola, o campo de futebol, os padres e freiras com seus hábitos e as apresentações na escadaria principal. “O Anchieta era minha segunda casa e teve um papel essencial na minha formação. Fiz muitos amigos naquela época que mantenho até hoje!”, destaca Ivana, que seguiu carreira como cirurgiã-dentista.


O Anchieta hoje

Atualmente, o Colégio Anchieta conta com 3.092 alunos, da educação infantil ao ensino médio. Destes, 1.543 são meninas – um reflexo da evolução da escola ao longo das décadas. Além disso, 308 funcionárias acadêmicas e administrativas compõem o quadro de colaboradores, o que corresponde a 63% do total.