Comunicar-se em mais de um idioma tornou-se não apenas uma vantagem, mas uma necessidade. Nas unidades educativas da Rede Jesuíta de Educação Básica (RJE), a educação bilíngue prepara os estudantes para a vida escolar e, também, para a sociedade, cada vez mais interconectada.  “A educação bilíngue promove uma compreensão melhor e mais profunda das diferentes culturas do mundo, levando inclusive a um olhar mais atento à diversidade. Isso ajuda o estudante a construir a ponte entre culturas, mas também considerando a sua atuação no mundo. Ele aumenta a empatia e a comunicação intercultural. Esse entendimento mais amplo não fortalece só a sua identidade cultural, mas também a sua capacidade de lidar com o que é diverso. Isso vai desempenhar um papel significativo na promoção da cidadania global, que é um dos eixos da educação da Companhia de Jesus. Além, óbvio, de contribuir para formar um cidadão cada vez mais atento e mais interconectado no mundo, com uma capacidade de pensar globalmente e agir localmente”, destaca a assessora pedagógica do Colégio Santo Inácio, do Rio de Janeiro (RJ), Luciana Aché.

Cristiane Maria Schnack, professora formadora de docentes, pesquisadora na área de Linguagens, Inovação, Cidadania Global e Educação Bilíngue, e gestora do Programa Unisinos Education, aponta que um dos desafios da educação bilíngue é o processo de significação do aprendizado. Quando uma segunda língua é aprendida somente para o futuro, por exemplo, para viajar ou escolher uma carreira, o aluno perde a oportunidade de perceber a conexão desse idioma com o seu cotidiano e na construção da sua identidade. “Organizar uma rotina escolar em que o inglês ou outra língua ocupa importante espaço para o desenvolvimento do aluno e das suas experiências de aprendizagem é o desafio que precisa ser enfrentado para um aprendizado significativo e potente. Além disso, é fundamental o trabalho integrado e colaborativo entre todos os professores, e não apenas aqueles que trabalham diretamente com a segunda língua. E, por fim, é importante um olhar externo à escola que possa, também, trazer visões distintas e contribuir com novos elementos para esse processo”, analisa.

Para Luiza Cristiane Ribeiro dos Santos Macedo, professora de Língua Inglesa do 5º ano do Ensino Fundamental I e supervisora do programa bilíngue do 1º ao 7º ano do Colégio Medianeira, de Curitiba (PR), o inglês é um idioma de acesso à informação global. “ É a língua que permite espaço de fala a nível global. Por isso a sua importância e sua relevância na aprendizagem. A língua inglesa é uma língua franca mundial, cujo objetivo é justamente ter acesso à informação global e ter esse espaço de fala, ter essa voz que possa ser ouvida por outras nações”, revela.

Trabalho colaborativo entre colégios jesuítas das Américas

Neste ano, o Colégio Santo Inácio, do Rio de Janeiro (RJ), participou, juntamente com o Colegio San Ignacio Alonso Ovalle, de Santiago (Chile), o Colégio San Luis, de Antofagasta (Chile), o Colégio San Mateo, de Osorno (Chile) e o Liceo Javier, da Guatemala, do projeto Spelling Bee, promovido pelo professor de Inglês e Cidadania Global da Escola San Ignacio Alonso Ovalle, David Chamorro. O convite, explica Luciana, surgiu pela plataforma Educate Magis, e a atividade é dividida em duas etapas: a primeira é chamada de Spelling Bee Club, que são três aulas em que os estudantes aprendem tanto a soletração quanto as regras do concurso em si. Depois, na segunda etapa, acontece o Spelling Bee Contest, a competição entre as escolas.

“Participamos com 16 alunos do 4º ano, 16 alunos do 5º ano e sete alunos do 6º ano. Quando terminam os encontros do clube, fazemos um levantamento de como foi o desempenho deles, a presença e a realização das atividades.  Com isso, selecionamos três estudantes por série para participarem da competição. A importância da troca com outras escolas jesuítas ao redor do mundo é buscarmos e incentivarmos nos nossos estudantes oportunidades de vivências e experiência multi, inter e transculturais”, avalia.

Programa Unisinos Education

Em 2019, a Unisinos instituiu uma equipe de professores para o desenvolvimento de um programa de assessoria às escolas de educação básica com foco na construção e implementação de currículos bilíngues: o  Unisinos Education.  Em evento que reuniu as lideranças de 14 unidades da RJE no mês de setembro, o diretor da Rede, professor Fernando Guidini, lembrou que, desde 2012, ocasião do Encontro dos Delegados de Boston (EUA), em 2017, no Rio de Janeiro (RJ), e mais recentemente, em 2021, em Yogyakarta (Indonésia), a Companhia de Jesus tem provocado a uma educação inovadora que tematize as questões bilíngues em seu currículo. “Nesse sentido, a RJE foi dando passos de qualificação curricular, com revisões de suas matrizes, tempos e espaços do aprender. A partir do Projeto Educativo Comum (PEC) fomos respondendo com maior profissionalismo, enfatizando tais aprendizagens e gerando evidências a esse respeito.  Em 2019, iniciamos diálogos mais sistemáticos com a Unisinos, articulando-nos com o U-Education. Juntos, construímos um programa mais do que bilíngue, um programa que tematiza um currículo integrado, focado na cidadania global”, destacou na ocasião.

Cristiane ressalta que o que difere o Unisinos Education das demais iniciativas bilíngues é o programa partir de premissas que extrapolam a questão do ensino e da aprendizagem, ao compreender que a educação bilíngue se faz no trabalho colaborativo de todos na escola. “Não se trata, então, de definir apenas quais disciplinas serão ministradas na língua adicional, mas de, a partir da proposta pedagógica da escola, desenhar possibilidades de um aprendizado integrado que ocorre em duas línguas. Assim, os alunos não apenas desenvolvem competências em língua adicional, que em geral é o inglês, mas também vivenciam, de forma integrada, experiências cotidianas de sua escola nessa língua, ampliando e fortalecendo as competências que são pilares da escola”.

Para a implementação de um segundo idioma na instituição, a primeira etapa é o mapeamento da proposta pedagógica da escola e a busca por pontos de convergência e de trabalho integrado entre os diferentes componentes curriculares. Depois, é realizado o desenho da proposta pedagógica que se alinha à proposta da escola, de forma a potencializar os momentos de uso e de ensino de língua adicional. “Essa premissa, de que a educação bilíngue está organizada a partir de momentos de uso cotidiano e rotineiro e de ensino da língua, é fundamental para que o aprendizado não se restrinja à estrutura linguística, mas fomente uma educação bilíngue, ou seja, conteúdos e competências são desenvolvidos em duas línguas, e as experiências dos alunos ocorrem, também, nas duas línguas”, exemplifica Cristiane.

Colégio Medianeira foi uma das instituições que participou do projeto-piloto do Unisinos Education. A formação dos professores teve início em 2020, e o programa foi implementado em 2021 com as turmas de 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental I. Atualmente, os estudantes de 1º ao 5º ano já têm aulas dentro do currículo bilíngue e, para 2025, o Ensino Fundamental 2 será contemplado. “A instituição e o corpo docente avaliam como positiva a implementação do programa, cuja força motriz é a integração dos saberes. A língua inglesa faz sentido para falar sobre aquele assunto, tema, conteúdo que está sendo trabalhado em parceria com outro componente curricular”, afirma Luiza. Durante o segundo trimestre, os estudantes do 4º ano têm uma aula de campo no Ekôa Park, localizado na cidade de Morretes, região litorânea do Paraná e Reserva da Mata Atlântica. Antes da saída de estudos, as turmas fazem uma análise para, depois, comparar paisagem urbana e natural, e o relevo, conteúdo de Geografia.

“O inglês entra com o nome dos elementos naturais que compõem essa paisagem; a disciplina de Educação Física relaciona sobre a questão dos esportes de aventura que podem ser praticados na natureza, e a relação do meio ambiente, o cuidado com o meio ambiente, que é o desenvolvimento da cidadania global, também no viés ambiental, em que as crianças, puderam construir bombas de semente que são jogadas na Mata Atlântica”, explica a professora.

Já com o 5º ano, a educação bilíngue uniu as disciplinas de Ciências e Língua Inglesa para trabalhar a alimentação saudável e a industrializada.  “No Laboratório de Ciências, os estudantes fizeram experiências com a decomposição de alimentos com o limão, o pão de forma e um bolinho industrializado. E aí fizemos uma relação sobre alimentação saudável e alimentação industrializada, como que esses alimentos industrializados dificultam a gente ter uma alimentação mais equilibrada. E o tempo de decomposição desses alimentos foi crucial para eles perceberem o quanto demorou para o bolinho e o pão, de fato, decomporem, por conta do excesso de conservantes. Tudo isso foi feito em inglês. Depois, a professora de Ciências abordou o processo de decomposição na composteira com as minhocas e a transformação do chorume como adubo natural para as plantas”.

Também escola-piloto do programa, a Escola Padre Arrupe, de Teresina (PI),  iniciou as formações com a equipe de professores do 5º ano no primeiro semestre de 2020. Depois, em 2021, a metodologia do Unisinos Education foi implementada. Neste mesmo ano, os professores das demais séries (Educação Infantil e 1º ao 4º ano) começaram a articular a fase de preparação. Passados quatro anos, a Padre Arrupe está, agora, na fase de manutenção, momento de reconhecer o impacto da proposta.  Atualmente, a instituição avalia o progresso do estudante considerando um conjunto de critérios, como oralidade, escrita, leitura, dimensão intercultural e socioemocional.

“Esse acompanhamento tem caráter formativo e processual, onde vai sendo valorizado o jeito como o conhecimento vai dialogando e sendo descoberto a partir de cada ponto de encontro com os demais componentes curriculares.  Nossas crianças estão aprendendo a ver sentido nas descobertas desse novo idioma que, na verdade, já faz parte do cotidiano de aprendizagem da nossa comunidade educativa.  A proposta, inicialmente foi desafiadora, mas com cuidado e com as tomadas de decisões mais acertadas, pensadas de forma colaborativa, conseguimos avançar muito na proposta, construindo junto com os alunos experiências que repercutem na vida de todos nós. O bonito disso é que a gente defende ainda mais que educar é o jeito como afetamos o outro e como isso dialoga com o contexto das nossas crianças, abrindo possibilidades para outros olhares e à descoberta de lugares ainda mais distantes”, comenta a diretora acadêmica, Danieli Trigueiro;

Para chegar à elaboração de uma proposta inovadora de ensino de língua adicional, o Colégio Anchieta, de Porto Alegre (RS), realizou cursos de extensão com o corpo docente. Já para a construção do Currículo Bilíngue Integrado (CBI), organizou-se uma dinâmica de planejamento interdisciplinar, coordenada pelo Serviço de Orientação Pedagógica (SOP) e com a participação da Unisinos Education. A implantação do CBI teve início em 2021, na Educação Infantil, e se estendeu em 2022 e 2023 ao Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio, respectivamente.

“As práticas curriculares são desenvolvidas numa perspectiva intercultural e de cidadania global alinhadas ao Projeto Pedagógico Institucional e seus fundamentos contextuais, doutrinais e conceituais.  O CBI do Colégio Anchieta promove a aprendizagem integral e traz consigo todos os benefícios da aquisição de uma língua adicional”, afirma a equipe do SOP do Anchieta. Na Educação Infantil e Ensino Fundamental I, destacam-se como aspectos inovadores a codocência, modalidade de docência colaborativa, e, no Fundamental II, o Involve&Evolve (Envolver e Evoluir), em que os alunos participam de oficinas e desenvolvem na prática habilidades de compreensão leitora, auditiva, expressão oral e escrita numa perspectiva de aprender fazendo (hands on).

Confira, no vídeo abaixo, depoimentos de coordenadores e professores das unidades educativas da RJE sobre o Unisinos Education: